por Luis Capucci
Equilibrar gêneros diferentes no mesmo projeto é algo complexo, principalmente se eles forem tão distintos quanto comédia e drama. Apesar disso, muitos cineastas conseguem chegar a esse equilíbrio. Infelizmente, não é o caso de Martin McDonagh em “Três Anúncios Para Um Crime”. O filme acaba funcionando por conta da temática e dos personagens complexos, mas tem um claro problema de tom.
Roteirizado pelo próprio diretor, o longa conta a história de Mildred Hayes (Frances McDormand), uma mãe em luto pela filha que foi brutalmente assassinada e estuprada. Indignada com a falta de competência da polícia em solucionar o crime, a mulher decide alugar três outdoors em uma estrada e utilizá-los para questionar as autoridades. Os anúncios chamam muito a atenção, mas geram problemas para a protagonista e para o Delegado Willoughby (Woody Harrelson), o responsável pelo caso.
Como já fica claro pela sinopse, o longa lida com uma temática pesada. Mesmo assim, a inserção de humor em alguns pontos seria possível. Diversos diretores já fizeram isso com sucesso (inclusive McDonagh no ótimo “Na Mira do Chefe”), mas o cineasta erra a mão aqui. A cena que melhor exemplifica isso é aquela na qual um momento violência doméstica está ocorrendo e para quebrar a tensão é inserida uma piada envolvendo um banheiro, o que soa extremamente inadequado.
Fica claro que Martin McDonagh quer emular o estilo dos Coen. Ele trabalha aqui com atores que também já estiveram em projetos dos irmãos (Frances McDormand inclusive é casada com Joel Coen) e cria uma narrativa que une drama, comédia e violência em um ambiente rural. Apesar de seguir essa cartilha, o diretor não consegue chegar ao mesmo nível dos filmes da dupla.
Porém, deve-se elogiar o roteiro do cineasta pelas temáticas que ele aborda. O longa mostra o descaso da polícia com um caso de assassinato de uma mulher, o que infelizmente reflete uma realidade machista de praticamente o mundo todo. O cineasta também não tem medo de retratar vários oficiais como figuras violentas e despreparadas que ainda se mostram racistas e homofóbicas. O delegado se mostra uma figura mais centrada, mas é condescendente com as atitudes de seus subordinados.
McDonagh cria figuras complexas também como a do ex-marido agressor. Essa pessoa violenta e machista (o fato de ela namorar uma garota de 19 anos tendo mais de 50 é revelador também) poderia ser uma personagem unidimensional, mas ele ganha outras camadas quando percebemos o amor que nutre pelos filhos. Logicamente, isso não justifica as atitudes da figura, mas o torna mais real. O mesmo acontece com Mildred. Apesar de sua indignação ser totalmente justificável, a mulher vivida por Frances McDormand age de forma bastante violenta em certos momentos.
O diretor/ roteirista acerta também ao ambientar duas cenas de dialogo sobre a filha da protagonista em balanços que remetem a uma criança. Porém, ele também cria situações forçadas como aquela na qual uma pessoa está na delegacia quando não deveria estar e outra que envolve um encontro em um quarto de hospital.
No elenco, o destaque vai para Frances MacDormand, que vive Mildred de maneira muito complexa. Ao mesmo tempo em que ela demonstra uma dor enorme pela filha, que é algo que claramente a fragiliza, também demonstra uma força enorme, sendo até uma figura ameaçadora em alguns momentos. Woody Harrelson, por sua vez, demonstra não concordar com a postura da protagonista, mas claramente entende a dor dela. O personagem do ator também enfrente seus problemas pessoais. Já Sam Rockwell vive Dixon como um policial violento e preconceituoso, mas que não se mostra muito esperto e tem um senso pessoal de justiça. A pouco conhecida Sandy Martin faz um ótimo trabalho ao viver a mãe do personagem de Rockwell como uma pessoa manipuladora que incute preconceitos no filho, mas que também comove em uma cena especifica que se passa em um banheiro.
Na direção, McDonagh impressiona principalmente por um momento violento rodado como plano-sequência. Outro destaque nesse sentido é aquele na qual o cineasta enquadra o delegado Willoughby através de grades em uma cena chave do arco do personagem.
O design de produção de Inbal Weinberg, a fotografia de Ben Davis e os figurinos de Melissa Toth utilizam bastante o vermelho para denotar a violência. Em certo momento, um letreiro neon dessa cor pinta Dixon antes dele se envolver em uma briga e os próprios anúncios que dão nome ao filme são dessa tonalidade. É interessante notar também como grande parte das roupas que os personagens vestem no longa são escuras e denotam a tristeza deles. Da mesma forma, as paredes descascadas da casa de Dixon passam visualmente informações sobre as condições financeiras do policial.
Já Carter Burwell faz um trabalho típico dele na trilha sonora ao utilizar instrumentos que remetem às regiões rurais dos Estados Unidos, mas funciona.
Na realidade, “Três Anúncios Para Um Crime” poderia ser muito melhor se tivesse encontrado um tom certo da narrativa. Não é ruim, mas soa como um filme menor de Martin McDonagh.