aconteceu perto de sua casa

Filmes da Semana- 3 a 9 de Maio

por Luis Capucci

Sedução140) Sedução

O que existe de mais interessante em “Sedução” é a sua trama. O filme acompanha um grupo de garotas que vivem um colégio interno e nutrem uma profunda admiração pela Sra. G (Eva Green), a professora com o pensamento mais liberal do local. Mas tudo muda quando uma nova aluna chega.

Aos poucos, a quase perfeita personagem de Green vai se tornando mais tridimensional ao ter sua fragilidade revelada. Outros bons elementos do longa é a maneira como ele questiona a opressão da sexualidade feminina e a falta de diálogo entre pais e filhos. Porém, se “Sedução” não é particularmente memorável isso se dá graças à direção da novata Jordan Scott (filha de Ridley), que trabalha de maneira burocrática fazendo com que o filme soe como um projeto feito para a TV.

141) Big DriverBig Driver

“Big Driver” é justamente um filme feito para a TV que não possuí muita imaginação. O longa é baseado em um conto de Stephen King e conta a história de uma escritora (Maria Bello), que depois de sofrer um estupro e quase morrer, decide se vingar do homem que a violentou.

Felizmente, o diretor Mikael Salomon e o roteirista Richard Christian Matheson tratam com sensibilidade o tema estupro. Eles conseguem mostrar como muitas vezes as vítimas desses crimes decidem não denunciá-los, com medo de como a sociedade machista vai reagir a isso. O filme também hábil ao retratar como é comum a violência contra a mulher, o que infelizmente é verdade. Em seus aspectos técnicos, o destaque fica com o fotógrafo Steve Consens, que com suas luzes amarelas e vermelhas, consegue passar a morbidez e a violência que permeiam a trama. Porém, “Big Driver” acaba sendo uma grande decepção por cair na já tão batida história de vingança.

142) Aconteceu Perto da Sua Casa

Leia a crítica aqui.

B. B. King143) B.B. King: The Life of Riley

O recentemente falecido B.B. King foi um músico espetacular. Chamado por muitos de rei do blues, em seus 89 anos de vida encantou o mundo com belíssimas composições, com a maneira única que tocava guitarra e com a energia de suas apresentações. King trabalhou com grandes nomes durante sua carreira como Rolling Stones, Eric Clapton, U2 e muitos outros. Mas o mais interessante disso tudo é a trajetória do músico, e esse documentário capta muito bem isso.

Um dos assuntos mais abordados pelo o projeto é como King e todos os membros de sua geração sofreram grande parte de sua vida com o racismo (não que esse preconceito tenha acabado, mas ele era muito mais escancarado e até mesmo legalizado na juventude do rei do blues). Ao mesmo tempo, o diretor Jon Brewer evita transformar o ser humano que aborda em um santo ao trazer entrevista com a ex-esposa dele, que relata com objetividade a maneira com que o músico negligenciava a família em prol da sua arte, algo que ele mesmo admite em certo momento. Mas “The Life of Riley” não é isento de problemas, como pode ser percebido por sua estrutura que segue o clichê das cabeças flutuantes, pela escolha arbitrária de alguns entrevistados (Bruce Willis é um exemplo disso) e também pelo uso desnecessário de recriações de época que o filme faz. Apesar desses problemas, pode-se dizer que esse documentário conseguiu capturar com sensibilidade quem foi B. B. King.

144) Namoro ou LiberdadeThatAwkwardMoment

Assim como Dominic Cooper e Cam Gigandet, Zac Efron é o tipo de ator que em 99% das vezes denuncia a mediocridade de um projeto só dele estar no elenco. “Namoro ou Liberdade” não é exceção a essa regra.

Esse longa é a típica comédia adolescente machista e imbecil que é rapidamente esquecida logo depois que o espectador deixa a sala de cinema. Se esses problemas morais não bastassem, os diálogos ruins, a falta de boas piadas e as situações absurdas (uma sequência que envolve um dildo é particularmente ridícula), estragam até a boa química do elenco. “Namoro ou Liberdade” e “Vizinhos” são provas que Zac Efron precisa trocar de agente. Ou que o agente precisa trocar de ator.

groundhogday145) Feitiço do Tempo

Ao contrário de “Namoro ou Liberdade”, “Feitiço do Tempo” é uma comédia hilária e que ainda por cima passa uma ótima mensagem.

Só o conceito desse longa já é genial: um homem do tempo (Bill Murray) de um jornal, que é uma pessoa arrogante e cruel, fica preso no mesmo dia sem motivo aparente. Por trás desse conceito fantasioso existe a ideia da capacidade que todos têm de serem pessoas melhores todos os dias e ajudar o próximo. O filme traz ótimas atuações de Murray e Stephen Tobolowsky, que interpreta um personagem propositalmente irritante. O roteiro de Danny Rubin e Harold Ramis (também diretor do projeto), além de ser muito bem construído, traz diálogos hilários. Dessa forma, “Feitiço do Tempo” é uma comédia atemporal (sem trocadilho).

146) Transsiberian

Apesar de seu ótimo elenco, “Transsiberian” é o tipo o pior tipo de suspense que existe: aquele que é absurdo, mas se disfarça de sério.transsiberian

O absurdo em si não é problema. Vários filmes de Hitchcock têm tramas completamente sem sentido, mas não escondem isso. Os realizadores de “Transsiberian” praticamente chamam o espectador de idiota em várias cenas. Se isso não bastasse, o longa ainda é machista e cria estereótipos ofensivos de russos. Em resumo, esse filme é perfeito para o Supercine da Globo.

Crítica- Aconteceu Perto da Sua Casa

por Luis CapuAconteceu Perto de sua Casacci

No início do ano, eu escrevi sobre o filme “O Abutre” (leia a crítica aqui), dirigido por Dan Gilroy. No meu texto sobre o longa abordo a obsessão da sociedade pela violência e pelo grotesco, e como a mídia sensacionalista o captura e o glamouriza. Pois a gênese da obra de Gilroy parece estar nesse “Aconteceu Perto da Sua Casa”, um mockumentary (falso documentário) belga que mostra uma equipe de cinema acompanhando o dia a dia de um psicopata.

Escrito a oito mãos, o filme nos apresenta a Ben (Benoît Poelvoorde, também codiretor e um dos roteiristas do longa), um ladrão e assassino, que começa a ser acompanhado por uma equipe de filmagens, que visa retratar seu dia a dia em um documentário. Mas com o tempo, tudo vai tomando uma dimensão aterradora.

 O documentado se mostra um ser humano assustador. Ele usa o roubo como desculpa para praticar terríveis assassinatos e não mostra pudores em matar crianças e idosos. Durante a projeção, o espectador vai percebendo que Ben é extremamente preconceituoso com mulheres, estrangeiros, negros e homossexuais. Ao mesmo tempo, o protagonista parece querer chamar atenção para si constantemente e crê ser um artista nato, que entende muito de poesia, arquitetura, música e cinema. Se não bastasse, o psicopata ainda tenta ser filósofo em alguns momentos. O que consegue manter o interesse do espectador em uma figura tão odiosa é a magnética atuação de Benoît Poelvoorde, que esbanja carisma em todas as suas cenas e passa uma naturalidade essencial para as falas de seu personagem.

Mas o que torna “Aconteceu Perto de Sua Casa” ainda mais assustador é a forma como os documentaristas retratam e se envolvem nos acontecimentos. Se a própria ideia de documentar as ações (leiam-se roubos e assassinatos) de um psicopata sem intervir nelas ou contatar a polícia soa como algo muito errado, as coisas se tornam piores quando as testemunhas passivas se tornam figuras atuantes nos crimes. Então, se no início a equipe de filmagens registrava Ben enforcando uma idosa, logo são vistos segurando uma criança para que o psicopata a sufoque e participam do estupro e morte de uma mulher e de seu marido. O nível de cumplicidade entre os documentaristas e o documentado se torna tanto que eles passam a esconder os corpos para ele.

A verdade é que durante as filmagens do documentário, Ben deixa de ser apenas o objeto de estudo do projeto e assume também as funções de produtor e diretor. Ele dá dinheiro para que os documentaristas comprem equipamentos melhores e passa a dar palpites diversos aspectos técnicos, como ângulos de câmera. Um exemplo disso pode ser visto em uma cena na qual ele pede que o técnico de som coloque o microfone próximo do pescoço de uma vítima para que seja captado o barulho dos ossos se quebrando.

A hipocrisia dos documentaristas é mostrada quando o técnico de som morre durante um tiroteio. Remy (Rémy Belvaux, codiretor e roteirista do filme), o entrevistador, conta uma história de que o amigo vivia com uma garota e que os dois esperam seu primeiro filho, emendando logo em seguida que continuariam o projeto em respeito à memória do falecido. Porém, esse discurso logo se mostra falso, quando o técnico de som substituto também morre e o personagem de Belvaux conta exatamente a mesma história, que se revela um recurso de roteiro do filme dentro do filme para tocar aqueles que vão ver o “documentário”.

A discussão que “Aconteceu Perto da Sua Casa” suscita é sobre a obsessão da mídia com a violência e forma com que a sociedade lida com isso. Nesse sentido, é reveladora uma cena na qual Ben encontra outro psicopata em um prédio abandonado e ele também está sendo acompanhado por uma equipe de filmagens.

É interessante notar como alguns amigos e a namorada de Ben parecem conhecer seu lado mais sombrio, mas mesmo assim se mantêm ao seu lado, seja por medo ou mesmo por uma mórbida atração. Isso pode ser comprovado na sequência na qual o protagonista mata um homem por rir dele durante uma festa e todos fingem que nada aconteceu. Uma amiga do psicopata chega a entregar um presente para ele com o rosto sujo com o sangue do morto.

O longa também tece críticas à forma violenta com que as pessoas costumam reagir quando veem registros de uma situação de violência através da mídia. Quando se vê um assassinato durante um programa sensacionalista, os sentimentos que essas imagens e os apresentadores despertam são os piores possíveis. Sentimos a necessidade de uma punição imediata para aquela pessoa e que ela sinta a mesma dor que causou ao outro. Mas o que muitos não percebem é que rebater a violência com mais um ato monstruoso é uma insensatez. Se você fizer com o outro a mesma monstruosidade que o condenou, só estará alimentando um ciclo de violência que não tem fim e nem sentido. Por esse motivo (e vários outros) é que a pena de morte é algo condenável. A cena que melhor retrata isso no filme é aquela na qual a mãe de Ben lê no jornal a notícia sobre o assassinatode uma família. Se mostrando revoltada com aquilo, ela diz que seria o júri e o carrasco daquele assassino, sem imaginar que o crime foi cometido pelo seu próprio filho.

Apesar de toda a violência e das discussões sérias que levanta, o filme se mostra bem humorado. Logicamente que as cenas cômicas que aparecem em uma produção como essa são recheadas de humor negro. Muitos dos diálogos mais engraçados saem da boca de Ben, quando ele diz, por exemplo, que matou e enterrou dois árabes e completa um: “Mas voltados para a Meca, é claro”. Esse humor não surge da opressão de uma minoria, mas sim da maneira absurdamente preconceituosa que aquele indivíduo pensa. Outro momento engraçado é aquele no qual a dentadura de uma idosa cai enquanto o protagonista a enforca.

A metalinguagem se faz muito presente em “Aconteceu Perto da Sua Casa. Isso pode ser visto nas cenas que o técnico de som sai procurar um bracelete de Ben e o espectador não escuta mais o que ele está falando. É interessante perceber como o filme chama atenção para suas próprias referências. Em certo momento, durante um assassinato, o documentado diz que aquela cena lembra uma que ele viu em um longa estrelado por Philippe Noiret.

Os diretores Rémy Belvaux, André Bonzel (que também interpreta o cameraman) e Benoît Poelvoorde fazem um ótimo trabalho. Eles usam câmera de mão para dar credibilidade ao documentário que estão tentando emular. Bonzel também é responsável pela fotografia em preto e branco do filme e parece ter escolhido esse estilo visual por capturar com precisão a tristeza das situações retratadas ali.

O longa ainda conta com uma ótima montagem de Belvaux e Eric Dardill. Um momento particularmente interessante criado pelos dois é aquele no qual um garotinho brinca com uma arma de brinquedo e logo em seguida, corta para o revólver real de Ben disparando contra uma vítima.

Com isso, em 1992, esses três diretores já realizaram uma obra que questionava a obsessão da mídia e daprópria sociedade com a violência. Nesse sentido, eles criaram um filme seminal que influenciouvários outros cineastas que trataram do mesmo tema.