Crítica- Um Crime Para Dois

Por Luis Capucci

Decepção. Talvez essa seja essa a palavra que melhor define “Um Crime para Dois”. Apesar de trazer uma dupla de comediantes talentosos liderando o elenco, o longa não vai para lugar algum graças ao seu roteiro problemático.

Escrito a quatro mãos, o filme conta a história de Leilani (Issa Rae) e Jibran (Kumail Nanjiani), um casal em crise. Um dia, os dois se veem envolvidos em uma trama de assassinato. A dupla então terá que tentar desvendar o crime para limpar seus nomes.

Os roteiristas Brendan Gall e Aaron Abrams criaram uma trama tão genérica para uma comédia romântica que eles parecem estarem reaproveitando o conceito do filme “Uma Noite Fora de Série”, estrelado por Tina Fey e Steve Carell. Revolvi fazer uma pequena lista de itens presentes nos dois projetos:

1-Casal em crise que redescobre o amor no meio de um enredo que envolve crimes.

2-Trama conspiratória completamente absurda.

3-Dupla de atores talentosos mais conhecidos por atuarem em comédias desperdiçados em um roteiro preguiçoso e sem graça.

A única diferença de “Um Crime para Dois” é a utilização da questão racial dos personagens para fazer um comentário social. Então, fica claro que Leilani e Jibran temem procurar a polícia por não serem brancos. Isso é bem utilizado no primeiro ato, como prova a cena em que uma garota hipster encontra um corpo em frente ao carro do casal, liga para a polícia e diz “Eu não acho que eles são assassinos por serem de minorias”, o que é revelador. Porém, essa questão é totalmente diluída pelo roteiro no final.

Gil e Abrams ainda pecam por criarem uma trama sem estrutura, onde os personagens pulam de um local para o outro seguindo pistas, e se mostra extremamente previsível. O maior exemplo do segundo item é a própria natureza do vilão (não vou descrever aqui para evitar spoiler).

Porém, o mais frustrante é constatar que a parceria anterior entre Najiani e o diretor Michael Showalter gerou o maravilhoso “Doentes de Amor”.

A verdade é que, apesar do talento dos envolvidos, “Um Crime para Dois” é apenas uma comédia romântica genérica que será esquecida assim que outra do tipo for lançada na Netflix.

 

 

Crítica-A Missy Errada

por Luis Capucci

Adam Sandler tem uma capacidade impressionante de fazer comédias ruins. A grande maioria dos filmes desse gênero que ele estrelou são desastrosos. Já os projetos que ele produz para os amigos costumam ser ainda piores. É exatamente o caso de “A Missy Errada”.

O longa conta a história de Tim Morris (David Spade), um homem que decide convidar uma mulher incrível com quem tem trocado mensagens para um retiro em um local paradisíaco organizado pela empresa em que trabalha. O problema é que ele estava se comunicando com a pessoa errada e quem aparece no local é Missy (Lauren Lapkus), uma jovem com quem o protagonista teve um encontro desastroso.

Os roteiristas Chris Pappas e Kevin Barnett se mostram terríveis para criar piadas. O humor do filme é todo baseado em situações absurdas que normalmente terminam com pessoas caindo ou na escatologia, como fica claro em uma cena desastrosa onde Missy vomita.

Para piorar, o roteiro é composto por um fiapo de trama que é sustentado por vários clichês. Um exemplo disso é a cena em que Tim encontra a mulher dos sonhos ao trombar com ela em um aeroporto. Esse tipo de cena era descrita pelo crítico Roger Ebert como um Meet Cute (algo como uma forma bonitinha/fofinha de dois personagens se conhecerem) e já foi utilizado em milhões de longas. Além disso, o arco do protagonista é previsível para qualquer pessoa que tenha visto alguma comédia romântica na vida.

Para completar, Pappas e Barnett criam diálogos extremamente expositivos. Um exemplo disso é a sequência em que o amigo de trabalho do personagem de Spade fala “faz três meses que você saiu com aquela louca (Missy)”, informação que é óbvia para o protagonista e só serve para informar o espectador que houve um salto temporal na trama.

No elenco, o principal destaque negativo fica para Lauren Lapkus, que interpreta a personagem título como uma figura absurdamente irritante. A Missy de Lapkus é exagerada ao extremo e a intérprete recorre a todo tipo de careta e vozinha “engraçada” para interpretá-la. Em defesa da atriz, pode se dizer que a pessoa que ela interpreta é uma criação completamente absurda dos roteiristas e nem Meryl Streep conseguiria entregar uma boa atuação fazendo o mesmo papel.

O resto do elenco é composto majoritariamente por amigos ou mesmo familiares de Sandler (a esposa, as duas filhas, o cunhado e até o sobrinho do ator atuam no projeto). Outras figuras recorrentes da filmografia do astro que estão presentes no filme são o próprio Spade, Jorge Garcia, Nick Swardson, Allen Colvert e Rob Schneider (que consegue a proeza de atuar mal mesmo que só aparecendo em três cenas do longa).

Com uma direção burocrática de Tyler Spindel, “A Missy Errada” é mais um desastre produzido pela Happy Madison, empresa de Adam Sandler. Poucas vezes vi um filme ser tão desastroso em todos seus aspectos como esse.

Palpites para o Oscar 2020

por Luis Capucci

– Melhor Roteiro Original

Vai ganhar: Era Uma Vez em…Hollywood

Motivo: Vai ser uma das poucas chances de premiar o filme de Tarantino. Parasita pode ganhar aqui também.

 

-Melhor Roteiro Adaptado

Vai ganhar: Adoráveis Mulheres

Motivo: Vai servir de compensação pela academia não ter indicado Greta Gerwig a melhor diretora. Além disso, é uma adaptação de um livro amado pelos norte-americanos. Jojo Rabbit também tem chance.

 

Melhores Efeitos Visuais

Vai ganhar: O Rei Leão

Motivo: Apesar do filme não ser dos melhores, os efeitos realmente são impressionantes. O rejuvenescimento de O Irlandês também tem chance.

 

Melhor Mixagem de Som

Vai ganhar: 1917

Motivo: Por ser um filme de guerra, o que chama mais atenção dos votantes para o som. Ford vs. Ferrari também pode levar o prêmio.

 

Melhor Edição de Som

Vai ganhar: 1917

Motivo: Ver o que foi escrito na categoria de cima.

 

Melhor Curta-Metragem

Vai ganhar: Saria

Motivo: Chutei

 

Melhor Curta-Metragem Animado

Vai ganhar: Hair Love

Motivo: Chutei

 

Melhor Design de Produção

Vai ganhar: Jojo Rabbit

Motivo: Pois é um dos filmes que mais chama a atenção para isso. Parasita também tem chance.

 

Melhor Canção Original

Vai ganhar: I’m Gonna Love Me Again de Rocketman

Motivo: Porque é de Elton John. “Into the Unknown” de Frozen II também tem chance.

 

Melhor Trilha Sonora

Vai ganhar: Coringa

Motivo: Pois é a melhor entre os indicados.

 

Melhor Maquiagem e Cabelo

Vai ganhar: O Escândalo

Motivo: Transforma Charlize Theron em Megyn Kelly e John Lithgow em Roger Ailes

 

Melhor Filme Internacional

Vai ganhar: Parasita

Motivo: Também está indicado a melhor filme.

 

Melhor Montagem

Vai ganhar: Coringa

Motivo: É um bom trabalho e o filme é o mais indicado da noite.

 

Melhor Documentário Curta-Metragem

Vai ganhar: Learning to Skateboard in a Warzone (If You’re a Girl)

Motivo: Chutei.

 

Melhor Documentário

Vai ganhar: For Sama

Motivo: Por seu um trabalho impressionante e por sua relevância social. Indústria Americana também tem chance.

 

Melhor Diretor

Vai ganhar: Sam Mendes por 1917

Motivo: É o trabalho que chama mais atenção para si.

 

-Melhor Figurino

Vai ganhar: Adoráveis Mulheres

Motivo: Por ser reconstituição de época.

 

Melhor Fotografia

Vai ganhar: 1917

Motivo: Roger Deakins é um gênio e o filme é uma realização técnica impressionante mesmo.

 

-Melhor Animação

Vai ganhar: Toy Story 4

Motivo: Por ser da Pixar (e é um bom filme).

 

Melhor Atriz Coadjuvante

Vai ganhar: Laura Dern por História de Um Casamento

Motivo: Por ser uma ótima atuação de uma atriz veterana que nunca ganhou o prêmio.

 

Melhor Ator Coadjuvante

Vai ganhar: Brad Pitt por Era Uma Vez em… Hollywood

Motivo: É um ator que já deveria ter levado o prêmio e a Academia vai compensar agora.

 

Melhor Atriz

Vai ganhar: Renée Zellweger

Motivo: Judy Garland é uma figura adorada e Zellweger ganhou todos os prêmios até aqui.

 

Melhor Ator

Vai ganhar: Joaquim Phoenix em Coringa

Motivo: Pois é uma atuação espetacular de um ator fantástico que nunca ganhou o prêmio.

 

Melhor Filme

Minha ordem preferência dos indicados:

1-Parasita

2-O Irlandês

3-Adoráveis Mulheres

4-Coringa

5-1917

6-Jojo Rabbit

7-História de Um Casamento

8-Era Uma Vez em…Hollywood

9-Ford vs. Ferrari

 

Vai ganhar: 1917

Motivo: Pela complexidade técnica do filme e por ainda estar fresco na cabeça dos votantes. Parasita tem chances, mas acho difícil por não ser falado em inglês. Esse ano não teve nenhuma bomba indicada.

 

Crítica- Jojo Rabbit

por Luis Capucci

Taika Waititi é diretor imaginativo. Em “Jojo Rabbit”, ele cria uma fábula hilária e por vezes tocante que trata muito bem sobre os efeitos de um discurso de ódio na mente de uma criança.

Baseado em um livro, o filme conta a história de Jojo (Roman Griffin Davis), um garotinho alemão de 10 anos, que sonha fazer parte da juventude hitlerista durante a Segunda Guerra Mundial. Ele é tão obcecado que tem Hitler (interpretado pelo próprio Taika Waititi) como um amigo imaginário. Certo dia, ele descobre uma menina judia escondida em sua casa. A reação inicial dele é de expulsá-la, mas surge uma relação entre os dois.

Waititi utiliza essa trama para mostrar como um discurso de ódio age sobre a mente de uma pessoa. Os nazistas pintam os judeus como monstros. Eles fazem isso com o propósito de afastar a ideia de que eles também são humanos. Desta forma, o que o é desumanizado pode ser destruído sem remorso. Porém, quando Jojo conhece Elsa (Thomasin McKenzie), a jovem judia que se esconde na sua casa, a ideia de ela ser uma criatura logo se dissipa e uma amizade começa surgir com entre os dois quando ele percebe que a jovem também tem sentimentos.

Como a personagem de McKenzie afirma em certo momento, o principal motivo de Jojo querer ser nazista é o fato dele sentir que pertence à um grupo. Essa vontade de fazer parte de algo é muito explorada por esse tipo de grupo de ódio.

Nesse sentido, o Füher imaginário vai aos poucos tomando a forma do ódio que foi colocado na cabeça de Jojo através das lavagens cerebrais nas escolas. O personagem representa a resistência preconceituosa à Elsa que existe na mente do protagonista em certo momento.

Porém, Waititi envolve esses assuntos sérios com uma roupagem de humor. O Hitler imaginário é responsável por tiradas hilárias como quando afirma que a figura vivida por McKenzie é como um “Jesse Owens mulher e judeu” ou quando surgem os agentes da Gestapo e eles tem que ser cumprimentados um por vez com um “Heil, Hitler”. O tom de sátira ao nazismo aparece desde o começo quando a chegada do Füher no avião vista em “O Triunfo da Vontade” é apresentada com uma versão alemão de “I Wanna Hold Your Hand”, com o povo alucinado o esperando com se ele fosse um Beatle. Posteriormente, uma versão germânica de “Heroes” de David Bowie também é tocada.

No meio disso tudo, o cineasta ainda cria momentos adoráveis como aquele na qual Jojo cria uma carta falsa do noivo para Elsa, percebe que ela ficou chateada e escreve outra contradizendo tudo o que escreveu na anterior. Algumas sequências tocantes também surgem como quando o protagonista dança com a mãe ou quando amarra o cadarço dela.

Visualmente, o trabalho de Waititi aqui remete ao do diretor Wes Anderson. O uso das cores e a composição dos quadros remete muito à obra do cineasta responsável por filmes como “O Grande Hotel Budapeste” e “Os Excêntricos Tenembaums”. Isso fica claro no design de produção do quarto de Rosie (Scarlett Johansson), a mãe de Jojo, com um verde que reflete nos pijamas dela e do filho.

Da mesma forma, o cineasta e Mihai Malaimare Jr., seu fotógrafo, criam planos geométricos lindíssimos como aquele que traz o protagonista deitado em uma maca com uma parede com azulejos cinzas no fundo, dois veteranos de guerra no canto esquerdo e a mãe no centro junto com ele. Em outro momento, Jojo e Rosie aparecem ao lado de uma escada de concreto com grama ao fundo. Os mesmos personagens surgem como silhuetas em bicicletas andando em um campo verde em outra cena.

O design de produção de Ra Vincent é belíssimo e muito criativo também. Exemplos disso são as ruas e o quarto de Jojo, que são cobertos de propaganda nazistas. O centro da cidade, com suas casas com janelas que adequadamente remetem à olhos, é outra criação fantástica.

A figurinista Mayes C. Rubeo, por sua vez, cria roupas adequadamente caricatas como o chapeuzinho com pena que Rosie usa ou as espalhafatosas vestes de combate dos personagens de Sam Rockwell e Alfie Allen.

No elenco, o destaque vai para Roman Griffin Davis, que além de convencer como filho de Scarlett Johansson, se mostra uma criança adorável que transmite uma inocência que é essencial para o papel. O garotinho Archie Yates que interpreta Yorki, o melhor amigo de Jojo, também passa muito doçura para seu personagem.

Apesar desse tom mais fofo que o filme assume em alguns momentos, uma tensão subjacente sempre está no ar. Um dos grandes responsáveis por isso é o montador Tom Eagles. Ele ajuda na criação de tensão como na cena em que a Gestapo revista a casa do protagonista.

Ao final da projeção, fica claro que Taika Waititi é um cineasta talentoso que consegue pegar um tema pesado, tratá-lo no formato de um a fábula satírica e ainda fazer com que o assunto não perca força. Isso tudo dentro de um estilo visual bem interessante. Os próximos filmes dele prometem.

 

 

 

 

 

 

Crítica- 1917

por Luis Capucci

Cinema é uma arte coletiva. Para que um filme funcione, toda uma equipe tem que trabalhar junta e de forma extremamente conectada. Isso é ainda mais verdade em um projeto como “1917”, que é rodado em dois falsos planos-sequência, e que se mostra uma realização técnica impressionante.

Baseado em relatos reais da guerra, o longa, que se passa no ano do título, retrata a história de dois soldados ingleses que recebem uma missão quase suicida durante a Primeira Guerra Mundial: entregar uma mensagem que vai salvar 1600 homens da morte. Porém, para fazer isso, eles terão que atravessar o território inimigo.

O que fica claro desde o início de “1917” é que o filme, diferente de outros épicos clássicos, não pretende fazer um grande questionamento filosófico sobre a guerra, mas sim acompanhar a missão daqueles soldados. Obviamente, que o projeto denuncie o horror de um conflito bélico, mesmo isso claramente não sendo o foco.

Essa denúncia já vem da própria diferença de visão de mundo entre os dois soldados. O cabo Blake (Dean-Charles Chapman) é mais jovem e tem uma visão ainda idealizada da sua função. Ele também se mostra mais inocente de forma geral. Já o cabo Schofield (George MacKay) já se mostra mais cínico e mais consciente da falta de sentido do combate. Para ele, uma medalha não significa nada.

Os militares de alta patente encontrados pelo caminho se mostram pessoas frias que tratam os soldados mais baixos como peões descartáveis em um jogo de xadrez. É o caso da figura que lhes dá a missão, que logo em seguida se senta para jantar enquanto os dois soldados seguem para a sua possível morte. Já outro está mais interessado em gritar para que seus subalternos tirem uma árvore do caminho do que para ouvir o que um dos cabos tem para dizer. Também surge uma figura que parece já estar totalmente obcecada pela batalha.

Para rodar essa trama, a escolha do uso do falso plano-sequência foi muito acertada. Ela coloca o espectador realmente junto com aqueles personagens o tempo todo.

Mas para conseguir realizar algo como isso, o cineasta Sam Mendes precisou de uma equipe gigantesca, uma vez que as dificuldades técnicas eram imensas. Uma peça chave nisso foi o genial diretor de fotografia Roger Deakins. O cineasta e ele fazem a câmera entrar dentro de caminhões, escalar e entrar em rios em uma mis em scene extremamente complexa e que, em certos momentos, se mostra difícil de decifrar como foi feita.

Tudo se torna ainda mais impressionante nas cenas que envolvem batalhas. Tiros, explosões e milhares de figurantes surgem nesses momentos que dão ares de David Lean para Sam Mendes.

Os dois planos-sequência que compõe o filme obviamente possuem cortes escondidos, mas isso não diminuem em nada o feito do diretor e da equipe. É interessante notar como o corte é feito em momentos como quando algo passa na frente, em uma versão moderna do que Hitchcock fez em 1948 no clássico “Festim Diabólico”.

A beleza visual que Deakins ainda passa no meio disso tudo é muito impressionante. Um plano bacana é aquele no qual o espectador pode ver a silhueta de Schofield dentro da casa e Blake aparece emoldurado na janela ao fundo.  Uma sequência hipnótica é aquela na qual o personagem de George MacKay chega durante a noite em uma cidade destruída e ela vai sendo iluminada pelos fogos das explosões.

Nesse sentido, o design de produção de Dennis Gassner impressiona pela forma que representa a terra arrasada. Os labirintos de arames farpados e um cemitério de armas dos alemães são locais completamente assustadores.

Como costuma ser em filmes de guerra, o design sonoro impressiona. Os sons das batalhas e dos aviões deixam tudo ainda mais tenso.

A equipe de maquiagem também faz um bom trabalho nos corpos que são encontrados pelo caminho. Uma visão particularmente perturbadora são os mortos inchados com a pele cinzenta que aparecem em um rio.

Mendes também merece palmas pela escalação do elenco. Os dois protagonistas serem atores ainda desconhecidos faz com que eles se tornem representações do rosto do homem comum no meio da guerra, o que engrandece a narrativa. Ao mesmo tempo, figuras de peso como Colin Firth, Benedict Cumberbatch, Mark Strong e Andrew Scott surgem para interpretar personagens que eles encontram no caminho. Isso porque esses intérpretes já trazem um background cinematográfico para a cena que faz com que o diretor possa apresentar os militares que eles interpretam sem que precise explicar quem são eles.

Ao final, “1917” surge como uma obra cinematográfica que merece ser celebrada pela realização técnica. Sam Mendes e a equipe merecem palmas pelo o que alcançaram aqui.

 

 

Crítica- Adoráveis Mulheres (2019)

por Luis Capucci

O livro de Louisa May Alcott que inspirou esse filme é amado pelos norte-americanos e já foi adaptado para o cinema diversas vezes. A primeira versão foi feita ainda na era muda, mas os longas mais lembrados são o de 1933, estrelado por Katherine Hepburn, e o de 1994, que traz Winona Ryder como a protagonista. Agora em 2019, Greta Gerwig lança a sua versão da história, que traz um olhar mais moderno e feminista para a trama das irmãs March.

O longa conta a história da família March durante a época da Guerra Civil americana. As irmãs Jo (Saiorse Ronan), Meg (Emma Watson), Amy (Florence Pugh) e Beth (Eliza Scanlen) são completamente diferentes, mas se amam muito. Elas terão que enfrentar os desafios do crescer juntas.

A maior força do projeto vem da ótima química do elenco, principalmente das atrizes que interpretam as irmãs. Elas trabalham muito bem juntas e criam personagens completamente diferentes.

Saiorse Ronan vive Jo como um espírito livre que não é compreendido pelas pessoas de sua época por habitar um corpo feminino, que era visto como uma posse masculina. Apaixonada pela escrita, a personagem é obviamente um alter ego da escritora do livro que inspirou o filme. A atriz insere complexidade à personagem e a retrata como uma figura que também tem defeitos como uma certa arrogância e uma intransigência que demonstra em certos momentos. Apesar disso, a protagonista tem um bom coração e ama as irmãs. A intérprete se destaca particularmente em um monologo em que questiona o fato de as mulheres serem vistas como seres que só são feitas para amar e não como pessoas complexos com sonhas, ambições e talentos.

Emma Watson, por sua vez, compõe a sua Meg como uma pessoa amorosa que tem aptidão para a arte teatral. A personagem representa o direito que as mulheres têm de serem o que quiserem. Ela expressa isso em um diálogo com Jo na qual a irmã questiona a sua opção de vida e ela responde “Só porque meus sonhos são diferentes do seus não quer dizer que eles são desimportantes”.

Já Florence Pugh cria uma Amy complexa. Com habilidades para a pintura, a personagem tem uma rivalidade com Jo. Ela é capaz de cometer coisas terríveis por ciúmes, mas também mostra nutrir muito amor pela figura vivida por Ronan. A atriz é a que mais impressiona com a mudança de comportamento e mesmo de trejeitos com o passar dos anos. Pugh deixa de lado os toques mais infantis e assume uma postura mais séria quando a irmã March que interpreta aparece mais velha. Ela também se destaca com um ótimo monólogo onde explica o lado econômico do casamento em uma época em que a mulher era praticamente proibida de ter posses, uma vez que ela era vista apenas como um objeto que os homens iriam conquistar.

Por outro lado, Eliza Scanlen vive a mais caridosa das irmãs. Uma figura como ótimo ouvido para a música, ela é composta pela atriz como uma pessoa tímida com um coração tão grande quanto o talento que possuía.

O destaque masculino do elenco vai para Timothée Chalamet, que interpreta Laurie, o vizinho das garotas. Ele tem ares de um playboy inconsequente, mas é uma boa pessoa. O ator se destaca particularmente quando declara seu amor por uma personagem e não é correspondido. O jovem diz para a mulher que ama que um dia ela irá se apaixonar e ele estará lá para ver, em um momento extremamente tocante.

Além dos diálogos muito bem construídos, o roteiro também escrito por Gerwig, assume uma estrutura narrativa não-linear. Então, o espectador vai e volta no tempo. Para ajudar na compreensão disso, a cineasta e Yorick Le Saux, seu fotografo, utilizam uma palhete de cores mais quentes para o passado, que é mostrado como a época feliz da memória da juventude das personagens, e tonalidades mais tristes para o presente, que traz várias dificuldades para as protagonistas. Essa lógica também se reflete nos ótimos figurinos de Jacqueline Durran e no design de produção de Jess Gonchor.

Le Saux também cria planos belíssimo como aquele de Jo e Laurie no campo aberto ou a cena na qual o personagem de Chamalamet e Amy estão em frente à um palácio.

Gerwig também insere um elemento de metalinguagem sensacional nas conversas de Jo com um editor extremamente machista. O desfecho da história é engrandecido por esse elemento.

Com isso, pode se dizer que a cineasta conseguiu trazer originalidade e conversar com seu próprio tempo utilizando uma obra clássica que já foi adaptada inúmeras vezes para as telonas. Isso não é nada fácil. Gerta Gerwig merece ser muito celebrada.

 

 

 

Crítica- História de Um Casamento

por Luis Capucci

Diversos artistas das mais diferentes mídias já fizeram obras com tons autobiográficos. Um problema desse tipo de projeto é cair na autoindulgência. Felizmente, não é o que acontece aqui em “História de Um Casamento”.

Escrito e dirigido por Noah Baumbach, o filme conta a história de Nicole (Scarlett Johansson) e Charlie (Adam Driver), um casal que está se separando. Eles concordam em não envolver advogados na questão, mas algo muda e é justamente o que acaba acontecendo. Agora, duas pessoas que se amaram se veem em uma briga judicial pela guarda do filho.

Baumbach teve como fonte de inspiração para alguns elementos da trama o seu próprio divórcio da atriz Jennifer Jason Leigh. Isso poderia fazer com que o filme tomasse o partido do personagem de Adam Driver, mas felizmente o roteiro se mostra muito mais complexo do que isso.

Na verdade, Charlie se mostra uma pessoa cheia de defeitos. Ele é um renomado diretor de teatro que se mostra controlador em tudo. Faz promessas para a esposa e não as cumpre (como que a deixaria dirigir uma das peças da companhia ou que se mudaria para Los Angeles). Ele também a traí em uma das crises do casal.

Adam Driver abraça a complexidade desse personagem e entrega uma atuação sensacional. O ator se destaca particularmente em uma cena de discussão entre ele e a ex-esposa no apartamento que está alugando. Ele diz algo particularmente cruel, percebe o que fez e se ajoelha e a abraça para pedir desculpas. Essa sequência comovente é ainda engradecida pelo design de produção de Jade Healy e os figurinos de Mark Bridges, que utilizam cores tristes para ilustrar visualmente a dor daqueles personagens.

Scarlett Johannsson, por sua vez, está espetacular como Nicole. Apesar de ainda ter carinho por Charlie, ela se vê obrigada a entrar na justiça uma vez que percebe que ele não está exatamente pensando no bem estar do filho. Uma cena particularmente tocante envolvendo a personagem é quando Charlie cruelmente dá “toques” para melhorar a atuação dela na peça. Ela ouve os comentários com aparente indiferença, mas chora no caminho para o quarto.

O diretor se mostra muito talento para guiar momentos como esse. A leitura de uma determinada carta poderia soar melodramática, mas Baumbach e os seus atores não permitem que isso aconteça. Da mesma forma, é interessante notar como ele captura momentos muito reais como quando Nicole ri de uma piada de Charlie durante uma discussão entre os advogados deles ou quando ela o chama de amor em certo momento. Uma pausa para o almoço durante um momento jurídico também é uma sequência que captura bem a estranheza do dia a dia.

Porém, Baumbach falha em algumas inserções de humor. As personagens da mãe e da irmã de Nicole, claros alívios cômicos, destoam totalmente do tom do resto do projeto.

Por outro lado, Laura Dern estrega uma atuação espetacular como a advogada Nora Fanshaw, que representa Nicole. Ela tem um monologo particularmente bom que expõe o machismo da sociedade em buscar a perfeição da mãe, uma vez que utiliza como exemplo da maternidade a figura sacrossanta de Maria.

Através de todos esses personagens, Baumbach cria um retrato pessoal, mas ao mesmo tempo universal, sobre o fim de um relacionamento. O cineasta capturou com precisão a complexidade, a dor e a estranheza desse momento da vida pelo qual a maioria das pessoas passam.

 

Crítica- O Irlandês

por Luis Capucci

Martin Scorsese é um diretor muito associado aos filmes de máfia. Apesar de ter dirigido os mais diferentes tipos de projetos, o inconsciente coletivo injustamente o associa apenas aos longas de gângster. Mas ao ver “Caminhos Perigosos”, “Os Bons Companheiros “, “Cassino” e “Os Infiltrados” é fácil de se perceber que um não tem nada a ver com o outro. “O Irlandês” também se mostra muito diferente ao ser um ensaio sobre a culpa e até um conto moralizante sobre onde as escolhas erradas levam as pessoas.

Baseado em um livro que segue figuras reais, o longa conta a história do personagem do título Frank Sheeran (Robert De Niro), um caminhoneiro veterano de guerra que é recrutado pela máfia e se torna um assassino para eles. Em certo momento, ele é designado para fazer a segurança do líder sindical Jimmy Hoffa (Al Pacino), de quem se torna amigo. Posteriormente, o protagonista tem sua lealdade ao crime testada.

Scorsese foi muitas vezes acusado de glamourizar a vida da máfia e a violência que ela propagava. Ele nunca fez isso. Os  filmes dele retratavam esses personagens como figuras complexas, mas não mostrava o que eles faziam como algo positivo. “O Irlandês” é o trabalho dele que deixa isso mais claro. Aqui, os assassinatos são mostrados de maneira crua.

Da mesma forma, o cineasta mostra que aquele tipo de vida tem consequências sérias. Isso fica claro com quando junto com a legenda com o nome dos personagens, que surge para apresentá-los, também aparece o destino deles que, na maioria das vezes, é uma morte violenta.

A vida de Sheeran também encontra reflexo nisso. Ele não mostra escrúpulos em matar e até consegue uma posição de líder sindical, mas suas ações só geram a solidão na velhice. As filhas crescem apavoradas sabendo que o pai é um assassino. Uma delas nunca mais conversa com ele depois de uma ação particularmente cruel. Essa mesma atitude lhe causa um remorso que o acompanha até o final dos dias e se mostra uma vergonha tão grande que ele não consegue verbalizar nem em uma confissão com o padre.

É essa figura alquebrada que narra a história. Seguindo a linha de raciocínio dele, a trama não segue uma cronologia fixa. Então, o espectador vê tanto o protagonista e as pessoas que o cercam jovens quanto bem idosos.

Para alcançar o rejuvenescimento dos atores, o longa utiliza efeitos especiais. Apesar de eles ainda soarem artificiais em alguns pontos, se mostram a versão mais evoluída que esse tipo de tecnologia já alcançou. É fascinante notar como a pele dos atores, ainda quando mais jovens apresenta imperfeições e até mesmo rugas, o que torna tudo muito mais realista.

Da mesma forma, a maquiagem de envelhecimento utilizada no ato final impressiona pelo realismo. Mas o que passa ainda mais realidade para tudo é atuação dos atores e o elenco todo está muito bem.

Como Sheeran, De Niro entrega uma de suas melhores atuações em muito tempo. É uma composição minimalista que dá muito mais importância para olhares e pequenos gestos do que para grandes explosões. Um exemplo disso é a cena na qual ele é designado para uma missão. A tristeza vai tomando conta dos olhos dele enquanto se dá conta do que está acontecendo.

Outro momento, é um no qual ele tenta fazer um telefonema, mas a culpa só permite que balbucie as palavras. Essa sequência é ressaltada pela direção espetacular de Scorsese, que coloca Frank no canto do quadro, refletindo assim os sentimentos dele. A fotografia dessaturada de Rodrigo Prieto unido ao design de produção de Bob Shaw e figurinos de Christopher Peterson e Sandy Powell, que usam cores tristes, ressaltam ainda mais o que está acontecendo na cena.

O cuidado de De Niro na composição do personagem fica ainda mais claro no ato final. Em certo momento, uma enfermeira que está atendendo vê as fotos que estão na mão de Frank. Ela não reconhece Jimmy Hoffa, que foi uma celebridade na época, o que leva o protagonista a pensar como o tempo faz com que todos sejam esquecidos. A mulher termina o exame e diz que ele está bem. O personagem de De Niro então afirma que continua vivo. A melancolia que o intérprete passa para essa última palavra é a coisa de um verdadeiro gênio.

Joe Pesci, por sua vez, está longe do cinema há bastante tempo, mas aqui entrega uma atuação espetacular. Assim como o protagonista, o ator utiliza a sutileza para compor o mafioso Russell Bufalino. É interessante notar a maneira com que ele dá as ordens sem dizer exatamente o que ele quer que a pessoa faça, mas isso já fica claro pelo olhar. Já no ato final, a atuação dele como um homem já bem velho impressiona pela maneira pausada com que diz as falas e a postura encurvada que assume.

Fechando o triunvirato, Al Pacino segue um caminho adequadamente diferente com seu Jimmy Hoffa. O sindicalista que ele constrói é uma pessoa teimosa e dado a explosões, mas igualmente fascinante.

O roteirista Steven Zailian, por sua vez, utiliza a figura de Hoffa para falar da relação da máfia com o poder. O personagem de Pacino ajudou a financiar a campanha de Richard Nixon. Isso o leva a ganhar o perdão presidencial, que gera a sua liberação da cadeia, quando o político chega ao cargo.

Por sua vez, o longa mostra que a máfia italiana fez campanha para John Kennedy e chega a sugerir que eles estiverem envolvidos no assassinato dele quando algumas promessas não foram cumpridas.

Ao mesmo tempo, o ótimo roteiro de Zailian retrata como o dinheiro faz com que mesmo a experiência na prisão seja minimizada para os poderosos. Hoffa, por exemplo, toma sorvete na cadeia.

Scorsese, como de costume, guia a trama de maneira magistral. O cineasta cria planos longos na cena que abre o filme e em uma que envolve um assassinato. Mas o que mais impressiona é a maneira como ele não permite que o filme se torne arrastado durante as suas quase 3h30.

Nesse sentido, ele é ajudado pela montadora Thelma Schoonmaker, sua parceira habitual. Ela vai construindo a narrativa gradativamente até que o espectador entenda o que o filme está querendo passar.

Também se destaca em cenas específicas como aquela na qual a esposa de Hoffa suspeita que tenha uma bomba no carro. A música para, aumentando assim a tensão, quando ela vai ligar o veículo. No momento em que a mulher dá a partida, Schoonmaker insere um frame da explosão de um automóvel. Outra sequência de destaca é no ato final, com Frank e Hoffa no carro, que também é extremamente tensa (e triste), o que a ressaltado pela falta da trilha sonora.

Rodrigo Prieto, por sua vez, vai deixando a fotografia cada vez mais dessaturada, o que aumenta a melancolia no ato final. Ele também cria planos lindíssimos como aquele de Sheeran na frente de vários túmulos.

O músico Robbie Robertson também captura com perfeição esse tom melancólico em sua trilha, que é construída a partir do toque recorrente de uma gaita.

Essa tristeza acompanha o espectador ao fim da projeção. Scorsese não fez apenas mais um filme de máfia (a palavra apenas não poderia ser usada para definir nenhum dos projetos dele), mas sim uma história que faz pensar sobre as consequências das escolhas que cada um faz durante a vida.

 

Crítica- Ford vs. Ferrari

por Luis Capucci

Eu não entendo de corrida de carros. Então, um filme como “Ford vs. Ferrari” poderia não funcionar para mim se fosse excessivamente técnico. Porém, o longa se foca muito mais na personalidade dos personagens do que nas questões especificas do universo que trata, o que o torna melhor.

A trama se passa nos anos 60 e acompanha as tentativas do designer de carros Carroll Shelby (Matt Damon) e do piloto Ken Miles (Christian Bale) em criar um veículo para a Ford que consiga superar a Ferrari na corrida de 24 horas de Le Mans. Para isso, eles terão que enfrentar desafios técnicos e as interferências da própria empresa.

Os três roteiristas criam uma trama que parte da relação entre Shelby, uma figura muito mais política, e Miles, que é um piloto genial, mas de temperamento difícil. Apesar de trocarem farpas, os dois se respeitam e se unem para enfrentar as interferências dos executivos da Ford, que estão muito mais preocupados com imagem da companhia e com questões pessoas do que em realmente criar o melhor carro.

Para compor Miles, Christian Bale novamente passou por uma mudança física, uma marca de seu trabalho. Ele claramente emagreceu para viver o corredor. O ator cria um homem muito obstinado, mas que explode facilmente.

Outro destaque do elenco é Caitriona Balfe, que vive Mollie, a esposa de Ken. A personagem chama atenção por ser uma mulher em universo dominado por homens e seu machismo, mas conseguir se impor. Isso fica claro em uma cena na qual ela está dirigindo e se irrita com o marido por ele ter mentido.

É interessante notar também como o filme retrata Henry Ford II (Tracy Letts) como um crápula. A sequência em que ele conversa com os funcionários na fábrica o expõe como uma figura exploradora e que pouco se importa com os outros. O industrial tem um ego gigantesco, o que o torna facilmente manipulável. Um exemplo disso é a cena na qual lhe contam o que o Enzo Ferrari (Remo Girone) falou sobre ele.

O diretor James Mangold se saí muito bem principalmente nas cenas de corrida. Essas sequências deixam claro o quanto Le Mans é perigoso, com seus recorrentes acidentes. Ele é ajudado nessas cenas pela ótima montagem feita por três profissionais, que conseguem criar tensão, e pela trilha dinâmica de Marco Beltrami e Buck Sanders. O design sonoro do longa auxilia nesse clima tenso ao ressaltar os sons assustadores dos motores dos carros.

O fotografo Phedon Papamichael também merece elogios pelo seu trabalho. Ele cria planos belíssimos como aquele de Miles e o filho na pista ao pôr do sol.

Por outro lado, o roteiro peca pela enorme quantidade de diálogos expositivos. Vários personagens falam para Ken que ele é um veterano de guerra, o que obviamente o piloto sabe e que parece uma forma preguiçosa de passar uma informação para espectador. O epílogo após a corrida também soa muito abrupto.

Apesar disso, “Ford vs. Ferrari” é um filme que funciona ao focar nas relações interpessoais ao invés do universo específico que mostra.

Crítica-Parasita

por Luis Capucci 

A Coréia do Sul, desde que se reergueu após o conflito armado com a Coréia do Norte, tem sido retratado como um exemplo de que o capitalismo deu certo. Retratado pela televisão como um paraíso na terra, o país ganha um olhar diferente em “Parasita”.

Escrito em quatro mãos, o longa conta a história de uma família pobre que mora no porão de uma casa. Eles ganham a vida montando caixas de pizzak, mas as coisas começam a mudar quando o filho mais jovem um dia é contratado para dar aula para uma garota rica. Encantado com o que vê lá, o protagonista começa a bolar um plano para colocar todos os seus familiares na mansão. Porém, a revelação de um segredo acaba mudando a vida de todos.

O diretor Bong Joon Ho e seu coroteirista Jin Won Han criam uma trama que se mostra completamente crítica ao capitalismo desde o início. A família pobre mora em um porão minúsculo e o trabalho deles é extremamente explorador. A patroa sugere descontar 10% do pagamento por considerar que as caixas de pizza não foram bem dobradas.

Isso é ainda ressaltado pelo ótimo design de produção de Ha-jun Lee quando a casa dos novos patrões do filho é apresentada. O local é enorme e cheio de detalhes que o diferenciam completamente da casa improvisada do protagonista. Não é à toa que eles se encantam tanto com o local.

Aos poucos, o longa vai retratando quão cruel e distanciada da realidade é a família rica. Eles claramente vivem em uma bolha particular e não se importam com o próximo. A visão que eles têm dos mais pobres é coberta de preconceito. Os novos patrões reclamam constantemente do cheiro que os funcionários exalam. O dono da casa sempre fala do limite do motorista, que seria o banco da frente. O banco de trás seria apenas para os semideuses como ele, o que escancara o abismo entre as classes.

Outro ponto importante na característica desse elite sul-coreana representada no filme é o viralatismo (que, infelizmente, também se reflete em diversas partes do mundo). Eles sempre falam palavras em inglês e tem uma verdadeira adoração pela cultura ocidental, com destaca para os Estados Unidos, o que os fazem parecer ainda mais patéticos.

Ao mesmo tempo, o longa mostra a dificuldade com a população pobre enfrenta. Em certo momento, um personagem diz que mais de 500 pessoas com formação universitária estavam concorrendo por uma vaga de porteiro. Em resumo, é uma sociedade de pessoas desempregadas.

Essa temática social já havia aparecido antes na obra de Bong Joon Ho como pode ser percebido nos ótimos “O Expresso do Amanhã” e “Okja” (que também crítica a hipocrisia do ecocapitalismo). Porém, aqui ele não se utiliza tanto da fantasia e cria uma história mais focada na realidade.

Um exemplo desse realismo é uma sequência que envolve uma tempestade. Para a criança rica aquilo é uma brincadeira. Já para o pobre, a chuva significa a destruição de sua casa e até a morte. Para diferenciar bem a forma que eles encaram a situação, o fotógrafo Kyung-pyo Hong utiliza cores quentes na cena seguinte com os patrões e tonalidades mais tristes com a família do protagonista. A situação ainda é encerrada com um comentário da mãe da família abastada que exalta a chuva.

Nessas cenas e várias outras, Joon Ho mostra que enquanto os ricos vivem em uma localização mais alta, os pobres têm que descer enormes ladeiras para irem para casa. As pessoas menos favorecidas são a base de sustentação da pirâmide que traz os milionários no topo. Isso se reflete na mansão em que os protagonistas trabalham também.

Porém, um dos maiores trunfos do diretor é a forma como ele consegue transitar bem entre diferentes tons durante a narrativa. Essa capacidade já se mostrava presente desde “O Hospedeiro”, por exemplo, mas aqui aparece ainda mais aperfeiçoada.

O cineasta vai muito bem do humor para a tensão em poucos minutos. Isso fica claro na sequência em que a família pobre está fazendo uma festa enquanto os patrões não voltam e que vai para lados inimagináveis (não vou descrever a trama aqui para evitar spoilers). Outro momento engraçado é aquele no qual o protagonista ensina o pai a atuar. Por outro lado, uma cena que envolve uma fuga é extremamente tensa e é ajudada pelo ótimo trabalho do montador Jinmo Yang.

O roteiro também se mostra muito amarrado. Exemplos disso são as citações à um trauma infantil e uma fala sobre a governanta comer demais logo no primeiro ato do longa.

Por fim, fica claro que Bong Joon Ho não só desmistificou a imagem da Coréia do Sul como paraíso capitalista, como também questionou todo o sistema econômico com o seu filme. O projeto mostra que para que um rico exista, milhares de pobres tem que sustentá-lo. Por isso, o título Parasita muda de significado diversas vezes durante a projeção.